18/07/2014
Precisa-se de matéria prima para construir um País
por João Ubaldo Ribeiro
“A crença geral anterior era que Collor não
servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não
serve. E o que vier depois de Lula, com certeza, também não servirá
para nada.
Por isso estou começando a suspeitar que o
problema não está no ladrão e corrupto que foi Collor, ou na farsa, como
dizemos nas ruas, que é o Lula. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a
“esperteza” é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o
dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais
apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos
demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente,
os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, em caixas
nas calçadas onde se paga por um só jornal e se tira um só jornal,
deixando os demais onde estão.
Pertenço ao país onde as “empresas privadas
ou as repartições públicas” são papelarias particulares de seus
empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto,
folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para
o trabalho dos filhos… e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde a gente se sente o
máximo porque conseguiu “puxar” a tevê a cabo do vizinho, onde a gente
frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos
impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os
diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco
interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois
reclamam do governo por não limpar os esgotos.
Onde fazemos “gatos” para roubamos luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros.
Onde não existe a cultura pela leitura
(exemplo maior é o nosso atual Presidente, que recentemente falou que é
“muito chato ler”) e não há consciência nem memória política, histórica
nem econômica. Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana
para aprovar projetos e leis que só servem para afundar os que não tem,
encher o saco dos que tem pouco e beneficiar só a alguns privilegiados.
Pertenço a um país onde as carteiras de
motorista e os certificados médicos podem ser “comprados”, sem fazer
nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher
com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus,
enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar.
Um país no qual a prioridade de passagem é
para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de
coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. Quanto
mais analiso os defeitos do Fernando Collor, do Fernando Henrique, do
Itamar e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem
“molhei” a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto
mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro,
apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um alguém através de uma
pequena fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não. Não. Não. Já basta.
Como “Matéria Prima” de um país, temos
muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres
que nosso país precisa.
Esses defeitos, essa “esperteza brasileira”
congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e
evolui até converter-se em casos de escândalos, essa falta de qualidade
humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é
real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós,
eleitos por nós. Nascidos aqui, não em outra parte.
Eu me entristeço. Porque, ainda que Lula
renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que
continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como
povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada. A maior possibilidade
de mudança está em nós.
Não tenho nenhuma garantia de que alguém o
possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho
destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém
servirá.
Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não
serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. Qual
é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça
cumprir a lei com a força e por meio do terror?
Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa
“outra coisa” não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para
baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos
igualmente condenados, igualmente estancados… igualmente sacaneados!
É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando
essa brasilianidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas
possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda…
Não esperemos acender uma vela a todos os
Santos, a ver se nos mandam um Messias. Nós temos que mudar, um novo
governante com os mesmos brasileiros não poderá fazer muita coisa. Está
muito claro… Somos nós os que temos que mudar.
Sim, creio que isto se encaixa muito bem em
tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante
programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso.
É a indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem,
francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão
para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que
não se faça de surdo, de desentendido.
Sim, decidi procurar ao responsável e estou
seguro que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não
preciso procurá-lo em outro lugar. E você, o que pensa? MEDITE!”
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